Continuando na minha resposta às questões que não me foram colocadas na edição 67 da Epicur...
2. Entendo que a alta cozinha é aquela que não é de todo, terminal, última e final mas a que reside na fronteira do conhecimento gastronómico, em todas as suas qualidades mais sublimes. Ao situá-la numa fronteira, digo que esta está constantemente em expansão. Em cada momento, cada escola vai deixando a sua marca indelével na História. Refiro que cada corrente de pensamento referente a cada momento de alta cozinha, poderá ser uma escola, se houver quem a siga ou a tome em conta. Isto deixa-nos com um naipe de "Altas Cozinhas" oriundas dos mais diversos locais e pessoas do nosso Planeta. Por mais que nos pareça completa, nunca o está. Descobrir novas vertentes, aparentemente desconhecidas, como as da cozinha molecular (relembro que os processos já eram utilizados pela indústria alimentar, não eram aplicados do mesmo modo na alta cozinha, mas aí foram 'beber' a informação) de tão inovadoras que aparentem ser, dão-nos a impressão de estarmos a viver o futuro agora. Esta sensação pode inclusivé dar-nos a imagem de que está tudo inventado, que não há mais praias para desembarcar, mais cumes para conquistar, mais sonhos para sonhar... Deixem-me rir !... Tenho a profunda convicção no mais profundo do meu ser que, mesmo que alguém conseguisse mapear e desenhar a linha de fronteira do Verdadeiro Universo, haveria alguém que, depois, descobrisse ainda mais para além. Somos humanos, não há nada a fazer. Deliciemo-nos com estas novas descobertas e utilizemo-las para, em conjunto com todas as outras, assentarmos 'marcos geodésicos' ainda mais alto e mais além no panorama gastronómico. Não me esqueço, porém, que o bom da viagem é o caminho.
Tenho fé, tenho mesmo, que a nossa Cozinha Regional Portuguesa possa ser sublimada e tornada conhecida globalmente. Creio ser a nossa cozinha regional no seu todo, no seu estado mais enraizado, uma excelente base de partida para dar novos sabores ao Mundo da Alta Cozinha. ( e esperar que o Mundo não as distorça, não é?)
O Herman José dizia num canal da tv por cabo, Biography Channel, que escreveria no seu epitáfio que ele era um humorista que teve a infelicidade de ter nascido num país pequenino. Um músico meu amigo, também afirmava que o Paulo de Carvalho, com a voz que tem, seria uma estrela mundial se tivesse nascido na América ou em Inglaterra. Não creio estarem a referir-se aos Km2 do Território, mas à pequenez da bitola por que se regem os valores deste povo, que não liga a artistas, nem a chefs de cozinha como devia. Lembro-me de ler sobre um dos Trois Gros, que abriu um restaurante no Brasil (país com muito mais Km2 que o nosso), creio que em São Paulo, e dizia que os primeiros anos tinham sido muito difíceis, chegando a ter de servir uma travessinha de arroz cozido a acompanhar os seus menús, mas insistiu e creio que vingou. O mal não é só nosso, aparentemente também teremos cura...
O Chef Gordon Ramsey afirma que já não há espaço para chefs gordos e que, para se fazer uma Cozinha sublime, é preciso 'work, work, work' (trabalhar, trabalhar, trabalhar) em primeiro lugar. 5 % de talento e 95% de suor. É verdade que, desde que sou cozinheiro na Vila Joya , já emagreci bastante. E a nossa cozinha é sublime, passo a publicidade.
Penso que a primeira vacina seria que os Chefs de cozinha tivessem uma maior aproximação ao cliente ( e possível cliente) e maior humildade, também, em reconhecer que juntos faremos tudo e que cada um no seu cantinho, só servirá aquele cantinho. O meu Chef Koschina fará o seu esforço, mas ele sozinho não é nada. Chef Vitor Sobral e todos os outros que marcam carimbos na nossa história gastronómica deveriam juntar-se e apoiar as lendas de amanhã, construir a nossa Alta Cozinha educando o palato e o bom gosto inato do povo português. Quem tem tão boas receitas regionais não pode ser tão pequenino como isso... Acordem !... (Acordemos)